Não se pode atribuir - de pronto - que o adentramento dos ruídos urbanos se faça exclusivamente via caixilhos das esquadrias, sejam eles de ferro, alumínio ou pvc. É verdade que em face às suas pequenas massas, suas capacidades de isolamento acústico a ruídos aéreos também são pequenas.
Dois outros "vilões" devem ser observados:
- Em especial nas esquadrias de correr, que requerem folgas para seus funcionamentos, essas pequenas frestas respondem substancialmente pela fragilidade do isolamento acústico do sistema, independentemente dos vidros simples, duplos e até triplos adotados na composição; quando das venezianas em lugar dos vidros, sejam fixas ou móveis, evidenciam então a precariedade maior de isolamento acústico em função das frestas seqüenciais;
- No que diz respeito aos vidros adotados, suas espessuras (massas) devem ser maiores quanto maior for o ruído a ser combatido. No entanto, todo cuidado pode ser insuficiente em detrimento às frestas requeridas para o funcionamento das esquadrias e das próprias massas dos seus caixilhos ocos, mesmo os preenchidos com espumas de poliuretano ou outros artifícios. Tudo que se fizer vai melhorar, mas muito provavelmente não vai resolver a questão em função, sobretudo, da sensibilidade auditiva do receptor (intensidades sonoras e freqüências).
Desta forma, evidencia-se que, em face às suas grandes massas, os caixilhos de madeira são melhores isolantes acústicos, porém:
- Seus custos e conveniências arquitetônicas podem não ser atrativos;
- Se forem esquadrias de correr (por exemplo), as frestas da mesma forma comprometrão o isolamento acústico, mas se forem de abrir (válido também para os cixilhos metálicos), poder-se-á adotar detalhes de fechamento sob pressão com a utilização de borrachas por exemplo, eliminando desta forma as frestas e aumentando consideravelmente a capacidade de isolamento acústico do sistema.
É sempre mais fácil trabalhar essas questões por ocasião do projeto arquitetônico da edificação, analisando todo o contexto que a coisa envolve, para uma implantação mais serena e consistente.
Já para os casos pré-existentes, edificações já habitadas e em especial os edifícios de condomínios, a coisa pode esbarrar - por exemplo - na impossibilidade até mesmo legal de se substituir uma janela. Também a adoção de uma janela complementar internamente a algum compartimento pode se constituir em um elemento grosseiro na conformação plástica do ambiente (decoração).
Mas já experimentei duas alternativas para esses casos:
- adoção de uma lâmina de vidro externamente à esquadria, de espessura apropriada e também espaçamento apropriado com relação à lâmina original, que por aumento da massa e utilizando do princípio massa/mola/massa, conseguí resultados até mesmo surpreendentes.
Esta solução cabe sem muitas restrições para esquadrias de abrir. No entanto, tem algumas limitações para as esquadrias de correr.
Também já experimentei com grande sucesso, em esquadrias de abrir, ligeiras frestas superiores e inferiores na lâmina externa de vidro, de tal sorte que tenho um ganho enorme de proteção térmica também via esquadria, em função da convecção natural do ar entre as lâminas, por diferença de pressão, tudo adequadamente dimensionado: você coloca suas mãos na lâmina de vidro interna e a percebe muito fria, enquanto a lâmina de vidro externa está muito quente, irradiando calor para o vazio ventilado entre ambas.
- Na impossibilidade ou desinteresse de se promover intervenções externamente a uma esquadria pré-existente, buscamos possibilidades via lado interno do compartimento contemplado, frontalmente à esquadrias, implantando barreiras acústicas opacas (acabamentos em madeira ou tecido e preenchidas com lãs minerais) ou mesmo envidraçadas, corrediças e de grandes trespasses entre as folhas, atenuando a percepção do ruído externo. Todas essas providências contribuem para a melhoria da audibilidade interna do recinto via acréscimo ou redução de absorções acústicas (conforme a conveniência).
É bom frisar que a transmissividade de ruídos, via paredes de alvenaria de tijolos cerâmicos, é, regra geral, bastante inferior à das esquadrias convencionais. E mais: para as questões mais comuns de isolamento acústico em apartamentos e/ou escritórios, uma simples parede de alvenaria de tijolos é perfeitamente suficiente. Os vilões desta forma são as esquadrias mesmo.
Agora cumpre-me fazer uma outra colocação de uma questão que deve ser abordada simultaneamente com a acústica arquitetônica nos casos de edificações de quaisquer naturezas: o conforto térmico.
Se para bloquearmos o ruído aéreo precisamos vedar bem as aberturas, por outro lado esbarramos:
- Na questão da ventilação natural do recinto contemplado que, uma vez fechado, a respiração humana promove aumento do CO2,
- No aumento da temperatura interna do recinto via irradiação de calor do próprio corpo humano, tudo isso quando a pessoa se enclausura por longos períodos.
A adoção de um sistema de condicionamento de ar para o recinto, equacionando as questões abordadas no parágrafo anterior, pode não ser a solução para as pessoas que sabidamente têm problemas de convívio com esta tecnologia.
Sabendo-se também que muita gente tem problemas de muitas naturezas em habitarem compartimentos com condicionamento de ar, torna-se imprescindível a adoção de atenuadores de ruídos nas próprias esquarias: são artifícios que permitem o trânsito de alguma quantidade de ar, mas atenuando parcialmente o trânsito do ruído, assim como atuam os abafadores nos escapamentos dos automóveis e dos motores em geral.
- O ruído percebido se origina na transferência, via estrutural, das vibrações decorrentes do impacto (pisadas, arrastos, etc.) ocorrido na laje de piso. O processo vibratório é automaticamente transmitido para os demais componentes estruturais (vigas, pilares e lajes seqüenciais) e de vedação (paredes) da edificação. Trata-se de um ruído de baixa freqüência, portanto de comprimento de onda grande e requer conhecimento científico adequado para combatê-lo.
Pode-se afirmar, no caso, que a adoção de quaisquer tipos de forros, densos ou não, com os espaços entre eles e as lajes - preenchidas ou não com lãs minerais por exemplo - em muito pouco contribuem para a atenuação do ruído decorrente. O ruído não vem só do teto, mas das paredes e do piso também.
Esta questão clássica de ruído de impacto é perfeitamente combatida por ocasião da execução da edificação, conforme uma das duas alternativas abaixo:
- A usual é a adoção de uma base flutuante (contrapiso), armada ou não conforme cada caso, sobre base elástica (lãs minerais, polietileno, poliestireno, etc.),
Desta forma reduz-se a transferência do processo vibratório por impacto no piso.
- Outra alternativa consiste no aumento da espessura da laje de piso e conseqüentemente da sua massa, a patamares que, sob um impacto qualquer, a laje vibre menos e, por conseguinte, transmita menos.
Esta alternativa é muito contestada sob vários aspectos. No entanto, conforme minha experiência em canteiros de obras de clientes, temos observado sua eficácia em boa parte dos casos. Esta tecnologia tem muitas vezes se evidenciado atraente do ponto de vista financeiro em função do alto preço do aço de construção de lajes de concreto armado. Assim, opta-se por uma relação aço/concreto menor que o convencionalmente adotado, uma vez que a subida do preço do concreto não tem acompanhado a subida vertiginosa do aço.
No mais, já existe uma tecnologia holandesa em implantação em muitos lugares da Europa, de adoção de lajes de grandes espessuras para grandes vãos, com redução do aço e do volume de concreto por preenchimentos espaçados de esferas de material plástico. Tudo com objetivos de isolamentos acústicos a ruídos de impacto.
O problema torna-se grave quando em edifícios já habitados, uma vez que é improvável que o vizinho do pavimento superior permita intervenções no piso do seu imóvel.
Aí temos que partir para o campo teórico-experimental, onde estamos empenhado no estudo da questão avaliando acréscimo de enrijecimento de lajes via suas faces inferiores, analisando as deformações estruturais decorrentes (que regra geral comprometem os pisos cerâmicos p.ex. do pavimento imediatamente superior), e adotando outros acréscimos de massa ao sistema, compatíveis com a possibilidade de carregamento da estrutura do edifício.
Este trabalho de tese está em fase adiantada, com resultados bastante satisfatórios, podendo no médio prazo vir a se constituir em material didático e, no curto prazo ser iniciado as primeiras investidas concretas de venda de serviços.
No caso dos ruídos aéreos entre unidades distintas temos duas situações clássicas:
- No que diz respeito ao uso de paredes em gesso acartonado, internamente às edificações, cumpre-me fazer um alerta: tem muita construtora vendendo paredes de duas lâminas de gesso acartonado que, quando usam alguma lã mineral no espaço entre ambas é de baixíssima densidade e espessura imprópria, chamando essa coisa de drywall de melhores resultados do que uma parede convencional de alvenaria rebocada em ambas as faces. O drywall que contempla as necessiadades básicas de isolamento acústico equivalente a paredes de alvenaria, requer pelo menos 4 lâminas de gesso acartonado (duas a duas) e lã mineral de média/alta densidade entre os dois conjuntos de placas. E mais:
- Nunca deixe as caixas de tomadas elétricas fundo com fundo nas paredes dos compartimentos contíguos;
- Nos imóveis com forros de quaisquer naturezas, as paredes devem ser elevadas até a laje de teto, sob pena de transmissão segura e intensa de ruídos via forros.
- Não podemos nos esquecer das transmissões de ruídos via poços técnicos e de ventilação, entre unidades autônomas ou não, comprometendo substancialmente a privacidade; a solução consiste na adoção de barreiras acústicas ou de atenuadores de ruídos adequadamente dimensionados e posicionados dentro desses espaços vazios, sem qualquer comprometimento da ventilação para os quais foram projetados.
Se as Normas Técnicas Brasileiras da ABNT, já existentes, sobre a acústica arquitetônica, fossem cobradas na forma de Lei pelos diversos Códigos de Obras Municipais ou Leis específicas sobre conforto acústico, se os analistas de projetos submetidos a aprovações e as fiscalizações fossem treinadas para cobrarem, e se os agentes financeiros já tivessem percebido que há muito seus investimentos mereciam maiores atenções, a grande maioria dos problemas atuais já estariam equacionados.
No meu entender, o consumidor sempre teve o direito de cobrar, acionar as construtoras que vendem produtos de má qualidade, embasado nessas normas técnicas já existentes (NBR-10.151, NBR-10.152, NBR-12.179, etc.). No entanto, nossa legislação judiciária é lenta, complicada, onerosa, cheia de brechas incompreensíveis (culpa do Poder Legislativo), tendenciosa em muitos casos e inoperante na grande maioria das vezes.
Se a Justiça não lhes der ganho de causa (note que a tônica dos advogados é que Norma Técnica não é Lei), boicotar essas empresas deve ser a tônica, via redes sociais e jornais. Por tudo isso, a NBR-15.575 é muito bem-vinda, apesar do atraso e da adoção de normas internacionais que entendo não condizentes com a nossa realidade, mas que aos poucos poderemos estar corrigindo isso. E que ela seja recebida de pronto como lei.
*Régio Paniago Carvalho é arquiteto, autor do livro “Acústica Arquitetônica” e diretor técnico da Arch-Tec (www.arch-tec.com.br)